sexta-feira, 20 de maio de 2011

ESTE FRIO QUE ME MATA...


 

Estou perdido. Não tenho certeza, mas acredito que estou. Não entendo nada.
Neste momento cubro meu corpo (que já não me lembro quando foi banhado pela última vez) com um pedaço de tecido que, apesar de grosso, parece não fazer mais por mim do que um punhado de jornais; a roupa que visto nem parece mais tecido de tão dura, suja e em estado de decomposição; não consigo perceber mais, porém, acredito que o odor que exalo seja insuportável, pois não existe mais ninguém que se aproxime mais do que um metro e meio de mim. O frio está me matando...
Ele passa por mim como que me abraçando em cada parte do meu corpo, procurando penetrar cada brecha que puder. As vezes sinto algumas partes imobilizarem-se com seu abraço; ele parece atingir meu coração, e, então não sinto nada. Este frio está me matando...
As pessoas começam a surgir. Toucas, luvas, cachecóis, calças grossas e blusões. Bonitas, aquecidas e perfumadas. Algumas assoviando; umas até mesmo cantando; outras conversando, rindo ou não; a maior parte em silêncio. Algumas reclamam do serviço que tem, outras do café que tomou, outras porque o quarto em que dormiram estava muito frio nesta madrugada. Algumas falando sobre um Deus que está a favor dos pobres do mundo. Nunca vi esse Deus. Nunca o conheci. Um vento mais forte endurece meu corpo. Este frio está me matando...
Essas  pessoas passam e não me percebem; as que percebem previnem-se para que estejam a uma distância segura. Aprenderam que lidar com pessoas como eu não tem fruto algum. Não existe esperança para nós; porque perder tempo? Muitos já se decepcionaram em ver sua ajuda ser desprezada; outros em serem alvos de oportunistas. Assim, decidiram que não vale a pena dedicar qualquer coisa que seja por um mendingo. O vento passa novamente com o cheiro dos salgados, pães e café da padaria da esquina. Este frio está me matando...
Quando as vejo indiferentes com minha causa e meu estado, um outro frio, mais insensível, me perturba. O frio de quem perdeu a esperança e cansou de esperar; de quem não tem mais lágrimas para chorar; de quem anda nas ruas dos homens, mas não é visto como tal; não sou homem, não sou animal. Pareço mais com um fantasma: estou no meio de todos e despercebido de todos. Sou alguém (ou algo?) que além de dinheiro, casa e nome, aos olhos dos outros não tenho religião, sonho, interesse importante; que aprendeu a viver assim (e gosta). Nunca me perguntaram, mas podem falar com a certeza de que é assim mesmo.
Eu queria entender o que eles querem dizer quando falam em seus templos religiosos sobre sofrimento e necessidades. Sobre solidariedade e compaixão, e outras coisas deste tipo. Acostumaram a ver pessoas como eu todos os dias em todos os lugares, e por isso ser tornaram frios conosco. Como qualquer um outro não religioso recusam esmolas, passam diante de mim como se eu não estivesse ali, e se aborrecem ao menor sinal da minha aproximação.
Suas atitudes e seus olhares indiferentes se encarregam de esfriar o que este vento não consegue. Se são representantes Daquele que é a favor dos pobres... então não existe, de fato, mais esperança.
Sinto fome. O vento parece ter perdido o efeito diante das pessoas. Com a chegada do dia o sol vai amenizar o frio do meu corpo. Mas o frio que passa por dentro parece que não vai cessar; o frio da insensibilidade, da desumanização, da indiferença completa que tira todas as forças e a vontade de viver, que elimina a esperança e não se incomoda mais com minha presença. Não existo; não mereço ser digno de alguma preocupação. Isto não faz sentido pra mim. E este frio está me matando...
Estou perdido. Não tenho certeza, mas acredito que estou. Não entendo nada...

Um comentário:

  1. Tocante esse texto, muito forte. eu estava realmente pensando nessas pessoas esses dias, o quanto elas estao sofrendo com esse frio!! E agora vi o quanto sou falha e mal agradecida, não sabemos agradecer a Deus por quem somos e o que temos, lendo esse texto pude enxergar o quanto temos que ser grato e o quanto temos que orar por essas pessoas que estao padecendo por ai.. Parabéns seu blog ta cada dia mais nos chamando atenção.

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